Sobre o PPD, em Bragança, no Abril de ‘74
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07 Março 2014
Distrito: Bragança Autor: Júlio Carvalho

Sobre o PPD, em Bragança, no Abril de ‘74

O distrito de Bragança não era, antes de Abril de 1974, diferente dos outros. Em qualquer cidade, vila ou lugarejo se conspirava contra o Regime.

Cansados, uns pareciam resignar-se a viver no sofrimento; contudo, no destempero duma enxada e terra duras, sempre sonhavam que a fuga, nem que fosse a salto, lhes daria a felicidade que aqui lhes fugia.

Cansados, outros habituaram-se à rotina dum quotidiano humilde de funcionário sem perspectiva e sem futuro, forçados a aceitar a submissão e o jugo do chefe arbitrário, prepotente, cuja autoridade só lhe advinha da sua filiação na ANP [Acção Nacional Popular], monopolista da política do País.

Cansados, outros iam convivendo com esta situação, exibindo, graças à sua favorável situação financeira, uma moderada mas pública crítica à falta de liberdade, ao favorecimento político, à plutocracia reinante, ao corporativismo caduco, às prisões arbitrárias...

Cansados e saturados, alguns, embora poucos, já iam convivendo com clandestinos folhetos de inspiração marxista, elogiando o comunismo, e iam escutando a Rádio Argel ou a BBC, para auto-satisfação e exibição com os amigos, sem passar disso.

Cansados, mas conscientes de necessária mudança, alguns, fundadamente, conspiravam contra o Regime, a quem apodavam de perverso, corrupto, prepotente, incompetente, fazendo-o em grupos restritos, nas escolas, nos cafés, no trabalho, em tertúlias, com o dever, porém, de serem minimamente avisados e atentos, não fosse a PIDE-DGS empurrá-los para algum calabouço do Regime, porque até dos cadernos dela já constavam.

Em Bragança, nós e outros, lá íamos conspirando como podíamos. No liceu, como professor de Literatura, ia lançando a semente do descontentamento com a análise sociológica da obra literária. Vendo-a  como o homem e a sua circunstância, isto é, o homem e tudo aquilo que o rodeia – uma visão  da realidade e das aspirações humanas –, já ousava adoptar, contra a vontade do Regime, a “História da Literatura Portuguesa” da autoria de António José Saraiva e Óscar Lopes, sem deixar de fazer uma referência intencional, sempre que oportuna, à visão do grande pensador húngaro Georg Lukács, como pioneiro na aplicação sistemática do materialismo histórico ao domínio estético, com a sua “Teoria do Romance”, ou a um dos seus discípulos, Lucien Goldmann.

Em pleno centro da cidade de Bragança, na livraria Cristal, funcionava, com a cumplicidade dos seus proprietários, António Reis e Álvaro Pereira, uma típica tertúlia conspirativa. Sem hora marcada e amigos certos, os que comungavam duma vida nova lá apareciam depois da 17h30m. E aprendeu-se a levar sempre algo de novo: ou um artigo picante da Seara Nova; ou uma notícia escaldante da BBC; ou um artigo crítico do Jornal do Fundão; ou um novo livro dum escritor neorrealista; ou um crítico cartoon do famoso cartoonista José Vilhena, várias vezes detido pela PIDE; ou um texto que fizesse a apologia da social-democracia; o ideal de sociedade para nós; ou uma intervenção crítica de Francisco Sá Carneiro, Pinto Balsemão ou Magalhães Mota na Assembleia Nacional, mas da Ala Liberal. Tudo nos servia para exaltar o direito inalienável de liberdade de expressão.Vivíamos esses momentos sem medo. Não fugíamos às possíveis consequências. Em 1972, convidado para orador numa exposição itinerante da obra de Alves Redol, no Ciclo Preparatório, fui avisado de possíveis e indesejáveis consequências, já que qualquer abordagem à sua obra não podia omitir uma dissecação sobre a sua crítica às desigualdades sociais onde a acção se passava. Segundo um dos meus companheiros de tertúlia, o pai dum então aluno meu terá evitado essa tal indesejável consequência.

Mas a maior originalidade desta tertúlia era o desejo sentido por todos em ver aparecer um deputado da nação, médico e amigo comum. Levava, quando aparecia, tanta “chumbada” na alma, como ele dizia, dos caçadores presentes, que chegou a confessar ter vontade de ser “atirador” como nós.O deputado da nação não teve tempo de virar “caçado” como nós. Dias depois, já nós festejávamos a Revolução de Abril. O peso dos “chumbos” que albergava ajudaram a que se vergasse à alegria e justeza da vitória.

A nossa tertúlia, a partir desta data, mudou de rumo e estratégia. A isso nos obrigou a fúria do MDP [Movimento Democrático Português], que ultrapassou a sempre pronta intervenção do PCP, acabado de sair da clandestinidade.Estávamos perplexos com tanta fúria, alguma vinda até de figuras que, até então, eram vistas como gradas do Regime acabado de cair, participando na elaboração de listas a submeter a algum “comité” para saneamentos políticos.

Foi neste ambiente que em Bragança, como de resto por todo o País, se impôs ao grupo mostrarmos também o nosso fervor revolucionário, escudado no respeito pela lei, pelos valores da liberdade, da democracia e  pelos outros. Por formação, por crença, por convicção, tínhamos que lutar por uma sociedade à imagem da que vigorava na Suécia: a social-democracia. Intérpretes deste modelo de sociedade, só se esperava a criação dum partido que estivesse enformado desta ideologia.Como resposta a esse anseio, já tínhamos iniciado a discussão do texto de divulgação da constituição desse partido: o Partido Popular Democrático [PPD] – impedido de adoptar a denominação pretendida por, entretanto, haver sido constituído o Partido Cristão Social-Democrático.

Este texto, divulgado em 7 de Maio de 1974 por Francisco Sá Carneiro, Joaquim Magalhães Mota e Francisco Pinto Balsemão, consagrava as linhas para um programa donde se realça que “a concepção e execução dum projecto socialista viável em Portugal, hoje, exige a escolha dos caminhos justos e equilibrados duma social democracia, em que possam coexistir, na solidariedade, os ideais de liberdade e de igualdade”.

Tais linhas para um programa assentavam-nos como uma luva, sendo oportuno realçar algumas das orientações aí consignadas:

  • Desenvolvimento económico acelerado;
  • Satisfação das necessidades individuais e colectivas (alimentação, habitação, educação, saúde e segurança social);
  • Justa distribuição do rendimento nacional;
  • Sistema de imposto incidindo sobre a fortuna pessoal preferentemente ao rendimento de trabalha com vista à correção das desigualdades;
  • A democratização da vida regional e local e a descentralização das estruturas de poder, consideradas condições basilares para a integral vigência da ideia democrática.

Coincidentemente, fui convidado para colaborar na implementação do Partido no distrito. Chamado a Vila Real pelo eng. Fernando Albuquerque, presidente da Fundação da Casa Mateus, onde me desloquei acompanhado pelo António Reis, foi-me entregue a respectiva credencial.

Com o mesmo fervor revolucionário, de imediato nos instalámos à Rua Direita, nº 205, com entrada pela Praça do Mercado, em prédio que era propriedade do já referido ex-deputado da ANP, dr. Moreira Pires. Uma cedência que poderia ter como objectivo (como foi comentado, com algum humor pelo meio) garantir a integridade deste prédio pela acção e respeito que o PPD impunha.

Os primeiros contactos para a primeira reunião nesta sede vieram dos encontros que mantínhamos na Livraria Cristal.Consultado recentemente o Partido no sentido de relatar com rigor o então sucedido, verifiquei, com mágoa, que nada existe de escrito. Por incrível que pareça, não existem actas, textos, documentos ou quaisquer outros elementos que marcaram a vida do Partido em 40 anos.

É legítimo concluir que há interesse que o Partido não tenha memória

Perdoem-me aqueles que, eventualmente, não constem da lista dos seguintes presentes nessa reunião, que a nossa memória nos facultou: 

  • Júlio Carvalho;
  • António Reis; 
  • Álvaro Pereira; 
  • Álvaro das Neves; 
  • Pe. Gil Pereira; 
  • Pires de Carvalho; 
  • Júlio Vinhas; 
  • Valdemar Correia; 
  • Valdemar Barreira; 
  • Marcelino de Castro; 
  • Jaime Sousa; 
  • Manuel Alves; 
  • Manuel Reis; 
  • Domingues Pires.

Depois de, entre palmas, jurarmos informalmente a nossa adesão aos ideias da social-democracia, em inícios de Maio de 1974, decidimos preencher os respetivos boletins de inscrição no Partido. Por simpatia dos meus companheiros, foi-me dado o privilégio de ser o número 1 do distrito, só aparecendo posteriormente como número 2, por erro de Lisboa, segundo informação então prestada. Ora, “de minimis non curat praetor”. Outros valores nos moviam. O que importava agora era implantar o Partido em todos os concelhos do distrito e no meio rural, e divulgar a sua ideologia e bases programáticas.

O Partido funcionou assim durante meses, com sucesso e sem conflitos de interesse, em verdadeira autogestão, enfrentando, sem tibiez, as agressões do MDP E PCP, tendo-nos visto obrigados, no Verão Quente,  a participar – armados – durante a noite, na defessa contra a agressão programada pelos SUV (Soldados Unidos Vencerão). Os que não tinham armas levariam motosserras para, em caso de invasão de Trás-os-Montes por esses soldados, se cortarem todas as árvores que impedissem a sua movimentação rodoviária. E lá estivemos, sem qualquer outro objectivo que não fosse a defessa dum ideal e da liberdade conquistada.

O Partido – e também o País – está grato a um grande militar, o Major Joaquim Albuquerque, então comandante do Batalhão de Bragança, que não só tinha conhecimento destas acções como sempre nos manifestou total apoio.Tínhamos consciência de que a situação não era fácil. O Partido Comunista e o MDP dominavam as instituições mais representativas do distrito. Até a imprensa local se mostrava indiferente à nossa causa e bem se sabia porquê. Enquanto nos movimentávamos, com o apoio de outros militantes e simpatizantes  entretanto chegados ao Partido, organizámos a JSD [Juventude Social Democrata], onde, além de outros, tiveram papel determinante, em todas as escolas do distrito, os então meus alunos do Liceu: Álvaro Vaz, António dos Santos Pires Afonso António Augusto Gonçalves, António Carlos Gonçalves (TÓ-CÁ) e irmão Nando. Lutadores incansáveis, foram autênticos heróis a espalhar a doutrina social-democrata, facto que fez tremer e recuar a esquerda intransigente, intolerante e radical. O recém-chegado ao Partido, Eleutério Alves, teve carta branca para acompanhar a JSD, que chegou a merecer do dr. Sá Carneiro, publicamente, o elogio da mais bem organizada JSD do País. Nem foi por acaso que o Eleutério mereceu o nosso acordo para integrar a lista de deputados para a Assembleia Constituinte, de que faziam parte Jorge Sá Borges e Manuel Costa Andrade, sempre presentes quando necessário.De forma inteligente, e antes de estar consolidada, a JSD soube aproveitar a audácia e irreverência do MRPP [Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado], mantendo com este movimento uma relação próxima, que ficava grato sempre que a JSD lhe entregava, para propaganda, algum comunicado contra os que apodavam de sociais fascistas e que tanto detestavam, ou quando os ajudávamos na elaboração dos seus comunicados e lhes fornecíamos estêncil, onde escreviam ou dactilografavam a mensagem e o mimeógrafo e papel para as cópias que pretendiam. Como era belo vê-los então em sessões de esclarecimento defender, com alma, com ardor, a social-democracia para Portugal. A condição essencial para fazer dele um País livre, novo, justo, onde o Homem é o centro de tudo, com repúdio pelo capitalismo selvagem e pelo comunismo que então por aí se apregoava!

Entretanto, corríamos o distrito para implantar o Partido, o que foi conseguido fruto do empenho de todos, com alguns dissabores pelo meio. Recordo, a propósito, uma cena passada em Freixo de Espada à Cinta. Tinha então nesta vila um muito estimado amigo, o Pe. Valentim Garcia. Sendo eu professor de literatura no Liceu de Bragança, era frequentemente contactado por aquele reverendo sacerdote, director dum conceituado colégio sediado naquela vila, que me questionava sobre novos métodos de análise literária e ensino do português. Nunca me furtei a tal, sempre dando o melhor que sabia e havia aprendido com a licenciatura em Filologia Românica. A organização do Partido, naquele concelho, era assunto garantido, e bem, com aquele amigo – pensava eu. Numa tarde de Domingo, quando me deslocava a Coimbra, onde frequentava o curso de Direito, passei pela vila de Freixo e bati à porta do  seu gabinete. Estava eu já a vê-lo com a sua habitual gentileza e efusivo por ver-me. Estranho, porém, foi o tempo que me fez esperar para me receber. Não era esse o tratamento habitual. Mais estranho, ainda, foi a forma como me recebeu. Mandado entrar por uma “religiosa”, nem sequer se levantou da cadeira para me cumprimentar. Eu tinha, porém, uma missão a cumprir e, dirigindo-me a ele, cordialmente, disse-lhe:- Sr. Pe. Valentim, deve saber que estou a implantar o PPD no distrito de Bragança. Trata-se dum Partido com vocação humanista, de ideologia social-democrata com sucessos garantidos na Suécia e Alemanha...

-Sr. Dr. Júlio – interrompeu-me o Pe. Valentim – agradecia que não continuasse. Tinha-o como um homem inteligente e progressista e vejo que não passa dum reles reaccionário.- Desculpe, Pe. Valentim, tê-lo incomodado – respondi-lhe eu com alguma serenidade. – Também não vejo interesse em dialogar com alguém que perdeu lucidez e boas maneiras. Boa tarde!

Decorridos alguns anos, o Pe. Valentim pediu-me desculpa. Continuo a pensar, todavia, que foi um grande homem.Esta cena, obviamente, em nada fez esmorecer a nossa determinação. Em pouco tempo tínhamos comissões políticas em todos os concelhos. Recordo, com satisfação, os ainda vivos e presto sincera homenagem aos muitos já falecidos. Perdoem-me os que, eventualmente e por falibilidade da memória, não menciono:

Alfândega da Fé:

  • Armando Augusto Almeida
  • António dos Santos Rodrigues
  • José Almendra
  • Joaquim Abreu
  • António de Jesus Pacheco 

Carrazeda de Ansiães:

  • Manuel Maria Moura Magalhães
  • Paulo Ferreira
  • Fernando Paulo Sampaio Fernandes
  • Aníbal Tito dos Reis
  • António Luís Quinteiro
  • Maria Gabriela Gonçalves
  • Jorge Fernando Teixeira

Freixo de Espada à Cinta:

  • Maurício Sapage
  • Pompílio Oliveira
  • António Garcia
  • Armando da Assunção

Macedo de Cavaleiros:

  • Henrique José Martins
  • Manuel Bento
  • João Afonso Gonçalves
  •  Luís Gonçalves
  • João Lopes  

Miranda do Douro:

  • José Raposo
  •  António José Grande
  • Manuel Granjo
  • Francisco Rodrigues
  • António Gonçalves Viana
  • Prof. Almendra
  • Manuel Preto
  • Joaquim Almeida
  • Fernando Palhau

Mirandela:

  • Toni Alves
  • Mândio Alves
  • Marcelo Lago
  • José Ribeiro
  • Rook de Lima
  • João Belchior
  • Viriato Vale
  • Fernando Garimpo
  • Albérico Lopes

Mogadouro:

  • Manuel Maria Pires
  • Fernando José Ferreira
  • Alberto Jesus Calejo Pires

Moncorvo:

  • Manuel Ribeiro
  • João Francisco Paçó
  • José Manuel Teixeira 

Vila Flor:

  • Alfredo Travessa Ramalho
  • Francisco Muller Guerra
  • Francisco Silva 

Vimioso:

  • Moisés do Nascimento Xavier
  • José Rodrigues Diz
  • José Fernando Oliveira (Conde)
  • Chico Santos
  • António Amador
  • Serafim do Rosário
  • Francisco Jesus Alexandre 

Vinhais:

  • José Augusto Pinheiro
  • Virgílio do Vale
  • Moisés Alves
  • Viriato Emílio
  • António M. Rodrigues
  • José Manuel Moreira
  • Firmino Lourenço

Uma outra preocupação nossa foi a implementação do Partido no meio rural. Para isso, criaram-se secções a nível de freguesia e aí nos deslocávamos com frequência para sessões de esclarecimento. Tais acções traziam perturbados o PCP e o MDP, os quais algumas vezes tentaram boicotar, embora sem sucesso. Imemorável foi a cena passada num ginásio de Vila Flor, onde decorria uma sessão de esclarecimento, totalmente cheia, com a presença de um engenheiro agrónomo que, a nosso convite e com o apoio do coordenador regional do Partido, Fernando Albuquerque, percorreu, durante muitos dias, todo o distrito. A oposição, dominada pela LUAR, ao sentir que não conseguia  boicotar a sessão, manda projectar uma pedra de quase cinco quilos e duma altura de cerca de 10 metros sobre o telhado de zinco do ginásio. Parecia uma bomba de grande potência, que tudo destruía. Nem isso fez calar os presentes, que gritavam, no meio da confusão, “PPD! PPD! PPD!” Coisa para nunca mais esquecer.

Sobre Bragança, seria injusto não citar pelo menos quatro militantes que, a nível rural, muito fizeram pelo Partido: Raul Lopes, de Rio Frio; Xavier, de Quintanilha; Toninho Xavier, de Rebordãos; Virgínia Madureira, de Alfaião.

O terror estava instalado por todo o País. Trás-os-Montes não fugia à regra.O poder estava no MFA [Movimento das Forças Armadas], no MDP/CDE e no PCP. O MFA instalou-se em Bragança no Colégio S. João de Brito. No quartel de Bragança, tinha instalações próprias onde nem o comandante podia entrar. Só obedecia ao COPCON [Comando Operacional do Continente]. A sua missão era aculturar a população atrasada, pensava ele, de Trás-os-Montes. Sem formação, como dizia, o povo transmontano tinha que aprender a venerar Marx, o ideólogo do comunismo.Percorreram o distrito em acções de formação. Os pseudo-doutrinários, conforme se descobriu, vestiam-se de militares, mas eram, na sua maioria, civis, não se coibindo de calçar alpercatas com a farda militar, o que até envergonhava a instituição e que permitia que alguém, por vezes em alta voz, gritasse em plena praça da Sé, em chacota, pelos “alpercatas” quando passavam. De tal maneira eram agressivos que ameaçavam as populações com torturas e violências e, frequentemente, agrediam-nas verbalmente.

Nós, por trás, sem medo, lá estávamos com textos a denunciar a ditadura que eles apregoavam e a fazer a apologia da democracia que queríamos e a profanar esse culto a Marx. Muitas vezes se tiraram cópias de livros que não deixavam qualquer dúvida pela sua seriedade. Recorda-se a propósito, o “Arquipélago de Gulag” de Alexandre Soljenitsin, Nobel da Literatura em 1970, e “A Democracia Socialista”, de Roy  Medvedev, que escolhemos, entre outros, no nosso apostolado em defesa da democracia e da liberdade.Desafiando esse MFA e a operação conhecida por Maio/Nordeste, recordo que, numa povoação de Miranda do Douro, creio que em Genísio, esses militares insultaram os moradores numa sessão na escola local, apodando-os de burros por não saberem cultivar, como eles entendiam, os seus lameiros.Fomos nós informados, creio que por Francisco Rodrigues, de que em consequência a população estava disposta a enfrentar tais “doutrinários”.

Pensado o assunto, foi aconselhado o seguinte: “essa gente não entende a linguagem humana”.  “A Linguagem deles é outra... Por isso, cremos que a melhor solução é encher o recinto da escola com todos os jericos da povoação, antes de a sessão iniciar”. Dito e feito. Por volta das 20h30m, apareceram os “aculturadores”. Tinham a recebê-los os burros da aldeia. Mensagem descodificada. O MFA desapareceu! Remédio santo! Ainda bem que assim foi. Já não se tornou necessário recorrer ao plano B.

A sede do CDS, na praça da Sé, no centro da cidade, foi assaltada em pleno dia, por essa esquerda intolerante.

Tínhamos consciência de que a sede do PPD, a uns 60/70 metros de distância, era um alvo apetecível. E vontade não lhes faltaria. O Valdemar Barreira, o Manuel Reis e o Álvaro das Neves, na minha presença, ainda os desafiaram. Parecia que estes, os estrategas do Partido em questões de segurança, estavam ansiosos de ver funcionar a máquina diabólica de defesa que haviam montado, não fosse o diabo tecê-las. Veja-se a imaginação desses estrategas. O acesso ao primeiro andar do Partido era feito por umas escadas íngremes com entrada pela Praça do Mercado. No cimo dessas escadas, montaram dois engenhos lança-chamas, alimentados por botijas de gás fornecidas pelo Álvaro das Neves. Os dois militantes que alternadamente aí dormiam, depressa aprenderam que, em caso de ataque, bastava acender os maçaricos e projectar as violentas chamas contra o inimigo, cujo efeito, era certo, não se quedaria por uma  qualquer chamuscada.

Tudo se desenrolou como queríamos. Depois destas eleições, recolhi-me para acabar o curso de Direito, mas sempre desejoso de voltar, como voltei, a viver a vida do Partido. Ficaram coordenadores do Partido, creio, a nível distrital e concelhio, os médicos Pires de Carvalho e Ramiro Moreno, respectivamente.

Os factos que ocorreram em 1974-1975 exigiam do Partido um estudo mais profundo. Aqueles que viveram esses momentos, que sonhavam com o sossego e descanso merecidos e esperados da Revolução, enganaram-se, já que se sentiram obrigados a manter-se de olho aberto, permanentemente, graças ao desenrolar inquietante da Revolução.

Valeu a pena. Por vezes, lanço mão da minha pasta pessoal onde guardo alguns dos comunicados de 1974 e 1975. Alguns, vê-se claramente virem de gente de pouca instrução escolar. Mas são, é indiscutível, politicamente notáveis para a época. Pena tenho de não possuir todos aqueles que passaram pelo tal mimeógrafo e que o Partido, sem justificação, não soube ou não quis guardar.

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